18/07/2025

Congresso ratifica convenção e fortalece mediação internacional entre empresas

Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
Empresas brasileiras que resolvem disputas com companhias estrangeiras
por mediação terão mais facilidade em fazer valer o acordo internacional se
ele for descumprido lá fora. A negociação passa a valer como título
executivo - ter força de sentença -, o que permite a penhora de bens sem
depender tanto do Judiciário local. A previsão está na Convenção de
Singapura, ratificada pelo Congresso Nacional no início deste mês.
O tratado foi idealizado na Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas (ONU) em 2018 para criar a mediação internacional entre empresas,
nos moldes da Convenção de Nova York para arbitragem, ratificada no Brasil
pelo Decreto nº 4.311/2002. O Brasil só se tornou signatário em 2021. Para ser
internalizada aqui, precisava do aval do Legislativo, trâmite já concluído. Agora,
falta apenas o decreto do presidente para a norma ter efeitos jurídicos no país.
O movimento do Congresso de internalizar o texto foi bem recebido pelo setor
de mediação. Na visão de especialistas, vai impulsionar o Brasil a se tornar uma
referência na área, assim como aconteceu com a arbitragem. Além de trazer
mais segurança a contratos internacionais, principalmente os de comércio
exterior, valoriza a desjudicialização e a liberdade econômica, acrescentam.
Alguns dos setores que mais podem ser beneficiados são os de petróleo, óleo,
gás e portos.
Hoje, 58 países são signatários da Convenção de Singapura, sendo que 18 deles
já a ratificaram internamente. É o caso da Costa Rica, Equador, Japão, Israel,
Uruguai, Arábia Saudita e Turquia. Ela é aplicável para acordos firmados por
escrito em mediação que envolveu ao menos duas partes estabelecidas em
países diferentes. Não é válida para relações de consumo, trabalhistas, de
família, sucessão e acordos firmados pelo próprio Estado.
A mediação é usada principalmente em contratos empresariais, de construção,
energia e societário, segundo a única edição da pesquisa Mediação em Números,
da professora Selma Lemes, do ano de 2023, que analisou casos de 2012 a 2022.
Ela indica um aumento dos procedimentos no país, especialmente na pandemia,
entre 2020 e 2021. A média de valores envolvidos variou entre R$ 120 mil a R$
461 milhões. A duração dos processos é bem menor do que a de uma ação
judicial: pode variar entre um dia a pouco mais de um ano. Em média, as partes
chegam a um acordo em 30% a 52% dos casos.
Segundo a advogada e mediadora Samantha Longo, integrante do Comitê
Gestor de Conciliação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existia grande
expectativa da comunidade jurídica para o tratado ser ratificado. A convenção,
afirma, permite que a parte busque o cumprimento do acordo internacional de
forma mais rápida. “Permite que o acordo seja executado no Brasil e lá fora sem
precisar de novo processo judicial para internalizar aquele documento”, diz.
Facilita porque cada país tem suas próprias leis, códigos processuais e estrutura
do Judiciário diferente. A convenção unifica a maneira de se executar o acordo
feito por mediação. “Vai dar agilidade no cumprimento, porque o juiz só vai
olhar os requisitos, se foi feito dentro de um processo de mediação
internacional, se a parte está devidamente representada, se o mediador é uma
pessoa idônea e se a Câmara existe. Não vai analisar tudo de novo”, explica a
advogada.
Sem o tratado, os acordos oriundos de mediação internacional não têm força
para serem executados lá fora. “A parte precisa entrar com uma ação de
conhecimento para ter uma sentença que reconheça o descumprimento de
contrato e que aquele acordo é válido”, diz Samantha, acrescentando que
desconhece casos em que houve o reconhecimento de negociações
extrajudiciais.
Sem a Convenção de Singapura, o Judiciário local poderia dificultar”
— Liana G. Valdetaro
Ela lembra de um caso julgado no fim de 2024 no Superior Tribunal de Justiça
(STJ) em que as partes tentaram reconhecer um divórcio internacional litigioso
e uma partilha de bens feita por mediação, ambos no exterior, por meio da
homologação de decisão estrangeira (HDE). Mas o pedido foi negado por
unanimidade pela Corte Especial. Isso porque entendeu-se que o acordo não
era eficaz na Argentina, onde foi firmado. Faltava um carimbo de recebimento
da Agência de Gestão e Mediação (HDE 7231).
Pela Convenção de Singapura, também não poderia ser reconhecido, por ser
um caso de direito de família. “Com a ratificação da convenção, a tendência é
que pedidos de homologação de acordos de mediação passem a acontecer assim
como ocorre com pedidos de homologação de sentenças arbitrais”, afirma.
A advogada e mediadora Liana Gorberg Valdetaro, vice-presidente do Centro
Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), diz que o tratado permite que
empresas do comércio internacional não fiquem à mercê da morosidade dos
Judiciários locais, principalmente em países com regimes não democráticos.
“Sem a convenção, o Judiciário local poderia dificultar e pedir mais
documentação, ouvir testemunhas. As partes teriam que passar por muitas
fases”, afirma.
Com o acordo reconhecido e os países sendo signatários, pulam-se etapas. No
caso do Brasil, por conta da Lei de Mediação e do Código de Processo Civil
(CPC), já existe a previsão de que um acordo estrangeiro é título executivo
extrajudicial e não precisa ser homologado aqui. “Nossa lei já trazia essa força
executiva, mas outros países não necessariamente. Porém, se ele é signatário da
convenção, o acordo da mediação passa a ter eficácia jurídica e, se ele não for
cumprido, pode ser cobrado no outro país.”
Liana diz que é raro o descumprimento de negociações desse tipo. “Não foi
algo imposto, as partes que construíram. Então, o que se espera é um grau de
adesão muito grande”, afirma. “Mas poderá haver casos em que será necessário
executar. Caso de um acionista de uma empresa vir a falência e não conseguir
cumprir o combinado.”
Samantha também diz que a convenção valoriza a adoção de métodos
alternativos para resolução de controvérsias e que a ratificação faz o Brasil sair
na frente, já que apenas 18 dos 58 países signatários validaram o texto
internamente até agora. E lembra que o momento é oportuno, pois em 2025
completam-se dez anos da Lei de Mediação e do Código de Processo Civil. “Foi
uma feliz coincidência trazer a Convenção de Singapura para nosso
ordenamento.”